Você já deve ter ouvido algum deputado justificaram seu voto como uma “orientação do partido”. Um dos episódios em que isso aconteceu foi na votação em que o plenário da Câmara dos Deputados escolheu pelo arquivamento da denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o Presidente Michel Temer. Mas afinal, os partidos podem definir o voto dos seus parlamentares?
A resposta é sim! A Lei 9.096 de 1995, que dispõe sobre os partidos políticos, estabelece em seu capítulo V as regras de fidelidade partidárias. Como a legislação brasileira não permite as candidaturas independentes, todo candidato deve ser filiado a um partido político para que possa disputar as eleições. Se eleito, deve estar ciente de que precisa respeitar algumas regras estipuladas pela legenda. Quer entender melhor que regras são essas? Confira a seguir.
Basicamente, a fidelidade partidária consiste na obrigação que os parlamentares possuem com seus partidos, de acordo com regras estabelecidas previamente. Sempre que um candidato se filia a um partido para disputar as eleições, ele deve estar ciente de que, se eleito, deve seguir alguns princípios da legenda e, às vezes, abrir mão da sua vontade para seguir o que é mandado pelos líderes partidários.
As obrigações de fidelidade partidária aparecem em duas formas de situação:
Quando o parlamentar se opuser, pela atitude ou pelo voto, às diretrizes estabelecidas no estatuto da legenda, poderá sofrer punições ou medidas disciplinares estabelecidas no mesmo documento, como desligamento temporário da bancada, suspensão do direito de voto nas reuniões internas, ou perda de todas as prerrogativas, cargos e funções que exerça em decorrência da sua representação enquanto membro do partido.
Mas atenção! Por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em maio de 2015 – a partir da edição da Resolução nº 22.610/2007 – as regras de fidelidade partidária por troca de partido só valem para as eleições proporcionais, ou seja, aquelas para os cargos de deputado federal, deputado estadual e vereador.
O motivo disso é que, enquanto a eleição de candidatos no sistema proporcional está vinculada à votação obtida pelo partido – como explicamos neste conteúdo sobre as eleições no sistema proporcional -, no sistema majoritário os candidatos são eleitos apenas pelos seus próprios votos, independente da votação obtida pela legenda partidária.
Pode até parecer que essas regras de fidelidade não são muito justas, afinal o candidato deveria ser eleito para representar a população ou a vontade do partido? Ainda que a medida seja polêmica, existem bons motivos para a existência dessas regras. Vamos entender quais são eles?
Quando o Brasil se redemocratizou nos anos 1980, após um longo período de Regime Militar, tornou-se muito comum a prática de constantes trocas de partido. Ou seja, os candidatos eram eleitos em uma legenda e, posteriormente, migravam para outra quando já haviam assumido o mandato.
Isso não só causou incômodo nos próprios partidos políticos, que se sentiam prejudicados, como em vários setores da sociedade civil.
Este descontentamento motivou diversas tentativas de Reforma Política nos anos 1990, para que fosse instituída a fidelidade partidária. Nenhuma delas deu certo, mas a regra acabou sendo criada por iniciativas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2007.
A primeira delas foi a Resolução n. 22.610, do TSE, que determinou que o mandato eletivo pertence ao partido. A decisão levou os partidos políticos a requerer a cassação do mandato dos parlamentares “infiéis” e sua substituição por seus suplentes. No mesmo ano, o STF determinou a constitucionalidade da resolução, determinando como norma a cassação dos parlamentares que trocassem de partido após essa decisão.
Mas não é sempre que um partido pode pedir o mandato de volta por um caso de infidelidade partidária. O TSE estipulou como exceções quando:
Apesar da decisão do STF, parlamentares continuaram discutindo a criação de uma lei para regulamentar questão de fidelidade partidária. A proposta foi discutida na Reforma Política e, em 2016, foi criada a partir de uma Emenda Constitucional a “janela partidária”. Tal emenda estipula um período de 30 dias em que parlamentares possam mudar de partido sem correr o risco de perder seus mandatos.
Em 2019, o presidente do Brasil, Jair Messias Bolsonaro, deu sinais de descontentamento com seu partido, e de uma possível troca futura de legenda. Segundo reportagem do jornal o Globo, o presidente teria declarado em reunião que “‘não dava para continuar no partido” e que seria “‘muita confusão’ para administrar.”
Algumas das confusões a que se refere Bolsonaro, como bem colocado em reportagem da Época, são:
Ainda, além de Bolsonaro, outros parlamentares ameaçaram deixar o PSL para “seguir” o presidente. A grande questão, no momento, é como prosseguir com a decisão sem que isto cause a perda dos mandatos. Afinal, o presidente está amparado pela decisão do STF que permite a troca de partidos nos mandatos por eleições majoritárias. Entretanto, esse caso não se aplica a vereadores e deputados.
REFERÊNCIAS